Por Arthur Moreau, entorno de Sem Título, de Clarissa Sacchelli.
Clarissa Sacchelli e mais 4 performers, Carolina Callegaro, Júlia Rocha, Marina Massoli e Paula Pi, pedem, perto da entrada do saguão do Sesc Santos, na parte de dentro do prédio, para que quem estiver por perto as prendam com fitas adesivas vermelhas seus corpos nos vidros que separam o dentro e o fora. Elas ficam escolhem e ficam suas posições, paradas e bem encostadas nas paredes transparentes. Sem projeto, as pessoas as prendem com as fitas vermelhas, fazendo traços ao seu bel prazer.
Ajudei a própria Clarissa a se colar. Sua voz gentil, macia e suave me convocou a grudar melhor sua cintura, a tirar um pedaço de fita que a incomodava no pescoço. Por iniciativa minha, prendi melhor sua cabeça, pus fita aqui e acola, estiquei um pedaço até longe do corpo dela, grudei um pequeno pedacinho de fita na bochecha dela e, do lado de fora do vidro que ela estava apoiada, do lado de fora do Sesc, com a fita vermelha, escrevi: “Entretenimento não é arte”.
Clarissa e suas comparsas, depois de bem presas, relaxam suas musculaturas. Isso faz com que a fita ceda e estique. Mesmo aparentemente bem presas, elas saem. Seus corpos relaxados encontram fendas e as arregaçam. Percorrem um pequeno e visível caminho para uma certa libertação. Parece yoga. Talvez seja.
Existem forças e imposições que estão muito disseminadas. Uma intervenção dessa confunde um pouco os olhos e abre alguns pensamentos. Relaxar e se desprender. Pedir para ser preso. Ser enfeite de parede. Fazer arte. São ações que, como todas as outras, precisam de distribuição de tensão e de relaxamentos coordenados. Todavia, dialogam pouco com as forças mais vigentes. As exceções ajudam o mundo a dobrar-se sobre si mesmo, a explodir possíveis acontecimentos.
O desejo de imobilidade das performers não é satisfeito dentro da dramaturgia proposta. O contrário, tanto na arte quanto em outros platôs da sociedade, todavia, ocorre. Muitas transformações desejadas, projetadas, planejadas por grupos ficam a desejar. Mesmo que acionadas com muito afinco e determinação. E muitas opressões e escritas imprimem e desorganizam novas inteligências.
Sem Título é um trabalho que clama, tranquilamente, para ser observado, reparado e refletido. Se em um espaço de convivência há algo que não lhe pertence, nada mais democrático do que repensar para que servem os locais de encontro. Se a cidade, a internet, as ruas e a arquitetura urbana existem para suas funções pré-estabelecidas por quem ou por forças que não são as únicas a entrarem em contato com elas, a serem afetadas por elas, seus signos precisam ser alterados, mesmo que na adição de elementos. Todavia, é muito complexo identificar ou traçar um perfil das necessidades arquitetônicas. Mas existem artifícios possíveis de representação civil e legais para tanto. Planos diretores municipais podem incluir essas questões.
De qualquer modo, Clarissa nos convoca a perceber os sentidos do peso estético que se é desenhado (por quê?, para quem?, por quem?) nos desenha (como desenha?, podemos desenhar também com nossas interferência?) nos locais onde estamos grudados ou apoiados, sustentados. A intervenção de quem vive e de quem esta insatisfeito pode nos inspirar a reorganizações cognitivas e de agenda pública. Um relaxamento que faz a inteligência e a iniciativa perceberem seu pesos e seus potenciais.
Arthur Moreau é artista, bacharel em Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SP, e estudante de Filosofia, na USP.