Por Anderson do Carmo, entorno de Hot 100 The Hot One Hundred Choreographers
1. “A dança contemporânea é uma dança assim parada, assim meio estranha, assim meio pra não entender… é meio isso. Tipo isso…” Só que não. As muitas tentativas de definir o que é dança contemporânea extrapolam o que chamamos de dança e pedem ajudam de muitos. Giorgio Agamben vira figurinha fácil e repetida sempre que se quer encontrar a obscuridade de um tempo e em função dela lançar algum tipo de luz. Independente de quem é interlocutor, as chances da resposta virar uma gaguejo como o que está entre as aspas é grande. Mas na medida que a bienal começa pela Última Vez é inevitável se pensar como/para-que/quando/muitas-outras-questões revisitar um repertório é importante. Como e para que fazer o que já se fez e faz há muito tempo? É ruim dançar uma dança de 25 anos atrás? De um século atrás? Não: é ruim – isso SIM – acreditar se pode ter/ser corpo como a 10 anos atrás que seja.
2. “Então a dança precisa pensar? Assim: ser cabeção e intelectualóide? Assim inteligente mesmo? Não pode ser nem bonita nem feliz, claro”! Também não. Na verdade parece que quanto mais indomada pelo pensamento que é o vigente, mais bela uma dança é.; quando se precisa fazer ginastica filosófica pra alcançar uma dança-selvalgem, um pensamento-selvagem. Isso não é dizer que dançar não é pensar; é dizer que dançar é pensar para além tutela, do que é certificado, comprovado, etc, etc, etc. Dançar é um pensar sobre o que ainda não é imbuído de minúcia e rigor. Dançar é fazer arquelogia do futuro.
3. “Tá, então tá… Entendi… Então essa dança é legal porque faz ctrl+c ctrl+v de coisas boas, daí não dá pra errar, certo”? Um devir-inventário, uma vertigem de listas: lindo, mesmo. Mas ainda mais bonito é ver entre-lugares: não importam muito os 100, importa o que desses 100 vira outra coisa em 1. Reconhecer os emblemas espantosamente precisos, as mudanças de estados, a rede de conexões é porto seguro, solo plano. A vertigem vem exatamente quando em vez de Mary Wigman, Cena 11, Wagner Schwartz, fulano, ciclano vem na cabeça o vazio. Quando vemos algo que não é mais o que já reconhecemos e ainda não nos deixa entender o que virá. Quando aparenta que a cabeça ativa um principio, as pernas dançam outra coregrafia e a coluna está engajada em uma terceira informação. Quando algo sem nome aparece é que a diversão começa.
4. Toda escolha poética traz consigo implicação política. Sem aspas e sem comentários sarcásticos.
5.Toda implicação ética emerge de uma escolha estética. Sem aspas e sem comentários sarcásticos.
6. A dança de Cristian Duarte é uma dança de ninfa: sua matéria não toma forma, sua matéria é forma em si mesma. É um paradigma na própria noção de imagem: é política porque não milita. É protesto que não fala contra algo, é protesto que fala a favor de algo. Diferença radical, diferença visceral.
7. A dança de Cristian Duarte é uma dança do tempo presente. NÃO pensemos em passado-presente-futuro acompanhados de uma flecha para o progresso. Pensemos assim: presente não como sucessão de passado e precedência de futuro, mas como COEXISTÊNCIA que possui a virtualidade do primeiro e a imprevisibilidade do segundo.
8. Quando eu assisto o HOT 100 em Santos do lado de Sheila Ribeiro e cochichamos um para outro quando reconhecemos uma coreô eu penso: “isso é uma obra política das melhores!” porque? Porque vejo uma dança que coleciona instantes de metamorfose que antecedem institucionalizações. Um tumblr de dança-explosão. Um Atlas Mnemosyne de dança-terremoto.
9. “Vestígio é aquilo que permanece de outro em mim e no entanto eu tenho certeza que sempre foi meu”.
10. Vestígio é o cumprir de uma promessa que sequer foi feita.
1 pensamento para esquentar o que teima em ser frio
11. Todo corpo e o corpo como um todo só podem existir no atravessamento dos vestígios de mundo. Disso o controle nos escapa. Só não escapa o que escolhemos fazer quando entendemos isso.
Anderson do Carmo é bailarino do Grupo Cena 11 Cia de Dança e pesquisador das artes ligado ao CEART-UDESC. Se interessa em investigar, ativar e engajar-se em procedimentos que produzam uma dança simples, honesta e elegante.