“Por favor você pode me dar o número do seu celular?”
O trabalho perpassa convites de aproximação. Mensagens sms irão indicar o que fazer e quando agir. Uma coreografia controlada via tecnologias móveis. A mobilidade do espectador é enquadrada a mover-se segundo as regras estabelecidas pelas mensagens vindas do ‘além’ (por eles) para o seu celular. No entanto, pode-se também seguir o fluxo das ações e intuir o jogo, afinal estamos na rua e o jogo está dado: o espectador é parte da peça e os dançarinos vão aos poucos propondo os jogos. Eles, nós e os outros.
“Sem deixar a peteca cair”
Então eles entram em cena equilibrando uma bolinha em uma colher. Segurando a onda. Protegendo seus ovos e atacando o do outro. Um jogo que insere o público e confunde o público de quem é público e quem não é. Um bloco plural que desmonta a lógica de um bloco Mono ou de blocos Mono. Nem mesmo os dançarinos são uma massa mono (um uno), o bloco de colaboradores de Vanilton Lakka são pessoas completamente distintas. Essa distinção entre diferentes tipos de blocos fica explicita quando surge no final da apresentação um bloco de turistas chineses. De um lado um bloco-mono, do outro um bloco formado por miscigenações e diferenças.
O título Mono-Blocos deve-se, provavelmente, ao fato do modo como o grupo pensou a trilha sonora. Mochilas-Caixa-de-Som-Mono amplificam a música da peça que se confunde com a trilha da rua criando uma espécie de ambiente sonoro que é o cruzamento disso tudo. O som e a ação são stereo, mas o trabalho insiste em pensar mono, quando é a rua que não nos deixa ser.
Ao longo da obra, novas proposições e convites ao público vão surgindo. No entanto, essa necessidade de misturar o público ao Mono-Blocos vai tornando as indicações cada vez menos complexas. O jogo acaba por se simplificar (até mesmo infantilizar) suas regras. E mesmo com recursos básicos de se inserir o outro no jogo, mesmo assim, o público em certos momentos atravanca o jogo. Por um lado é rico imaginar que um coreógrafo esteja interessado em coreografar o espectador. Em pensar coreografias para o espectador.
É uma necessidade política? É populista? É polis?
A inserção do público, a interatividade, a participação, assim como outras regras que aos poucos se tornam recorrentes na arte ou num trabalho de dança, bem como o desejo de desestabilizar a hierarquia, questionar o poder, trabalho de pesquisa, teoria e prática, podem acabar se tornando leis vigilantes. Certos pensamentos da dança contemporânea que surgem como estratégia política acabam por se tornar regra. Quando a exceção é a regra, a política torna-se polícia.
“Blusa Vermelha”
“Camiseta cinza”
“Camisa Branca”
Tão longe, tão perto. O simples efeito de alteração das distâncias da cena. Os deslocamentos de zoom do espetáculo. Apenas esse pequeno movimento de cena é participativo, pois exige um deslocamento do olhar. A hierarquia do olhar se desestabiliza. A coreografia e os bailarinos ficam minúsculos. O que importa ver? O que ver? Ver já é uma escolha. O que você escolhe ver na Bienal de Santos pode ser uma escolha política ou de milícia.
A repórter da Globo, os blocos de chineses, o gari, o advogado, a secretária, o dançarino, o transeunte, o câmera man, o economista, o passante, a equipe organizada do sesc todos os atores sociais que cruzam esse espaço fazem parte de uma mesma coreografia repleta de imprevistos. Talvez por isso exista uma necessidade latente na coreografia de tornar suas regras explicitamente claras, a fim de desenvolver seus sistemas.
Caderno de Anotações
a globo
a televisão e a dança
a rua dança
na rua se dança
processo em Excesso
guarde o residual no bolso ou bolsa
a gente é público
música ambulante
rua
lógica
estrutura
sistema
jogo
mensagens do ‘além’ -tecnologia móvel – Tecnologia de mobilidade no/do e através do corpo
a rua é pública
a dança é de rua
mobilizar, alterar pontos de vista e deslocar o campo de visão, dar zoom
participação pode limitar ou amarrar as construções coreográficas
mono-blocos
pluri-blocos
polis-blocos
hacker
senta no código aberto
senta no QRCode
caminhe sem parar
Texto e fotos por Bruno Freire, atua como intérprete e performer desde 2004, é mestre em comunicação e está prestes à imigrar para o ex.e.r.ce master em Montpellier.