Por Arthur Moreau entorno de Têtes à Têtes, de Maria Clara Villa Lobos.
Para crianças de todas as idades, a dança de dois cabeções (Berthélémy Manias Valmont e Maria Clara Villa Lobos) que mostram, através de uma narrativa alegórica, algumas fases da vida humana. Com projeções do inicio ao fim que, muitas vezes, pintam do modo a determinar as expressões dos personagens, cada um representando um sexo. A possibilidade de transexualidade ou de uma pluralidade de gêneros está excluída da história. Têtes à Têtes apresenta uma narrativa generalista cuja didática estética que apresenta um padrão de heteronormatividade. O que é uma pena, pois quanto mais novo (a) se é, mais fácil e tranquilo ensinar o que existe no mundo e seu estimular o potencial de interação saudável e humanístico.
Mas existem muitos deleites na encenação de Maria Villa Lobos. A comicidade CABE EXPLICAR perpassa toda a apresentação sem atrapalhar a atenção ao enredo e sem ignorar fenômenos da natureza que temos que, mesmo que eventualmente, conviver. As trapalhadas, o ineditismo das experiências, o começo da sensibilidade de identificação com o próprio corpo, o espanto perante o outro e perante suas próprias capacidade e incapacidade são, muitas vezes, ações engraçadas e que provocam a empatia – ainda mais quando quem assiste tem isso mais fresco na memória. A provocação carismática à surpresa permanece em um tom que deixa próxima a atenção à sequência de acontecimento e seus desdobramentos. Trocando em miúdos, o riso e tal que não atrapalha a percepção da linha narrativa e afetiva.
Os seres nascem, se sentem sozinhos, comem, cagam, peidam, seus corpos mudam, muitos transam e outras tanto procriam e todos morrem. Porém, expressar esses, entre outros, acontecimentos pessoais sem o uso da palavra sensibiliza mais a comunicação indicial. A projeção de alta qualidade faz um bom par com a qualidade de movimentação e agilidade da dupla Valmont e Villa Lobos. Os dançarinos acompanham a animação ou reagem a ela. A cronometragem é fundamental nessa coreografia. Esse eficiência é acompanhada pela interpretação comunicacional dos personagens. A inocência, fragilidade e curiosidade dos dois, mesmo que seus rostos não apareçam, força o equilíbrio de agilidade, rapidez e relaxamento do corpo. Os cabeções estão descobrindo o mundo e suas cores, seus corpos e seus sentidos. É um vigor de descoberta fugaz.
Como a dança se presta mais aos sentidos e Têtes à Têtes deseja contar uma história, fenômeno mais regido pelos significados, muitas vezes os personagens deixaram claro alguma situações de modo banal. Essa escolha, algumas vezes, freia a velocidade de momentos mais dinâmicos, instigantes e convidativos das cenas. Como se quase acontecesse, de modo efetivo, jogos de linguagens através daqueles corpos pintados pelas projeções. Todavia, são brecados por dicas para redundar o que se esta contando, para garantir a informação dos fatos que ocorrem com os cabeções. Já disse certa vez o diretor russo Constantin Stanislavski (1863 —1938): “O teatro infantil deve ser como o teatro adulto, só que melhor.”
Arthur Moreau é artista, bacharel em Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SP, e estudante de Filosofia, na USP.