por Laura Bruno a partir de A Sagração da Primavera, de Xavier Le Roy.
“Para a arte contemporânea o problema assume, de saída, forma de aporia: o que fazer quando tudo já foi feito? [p. 84]
Nesse terreno minado, saturadamente histórico, não há lugar para a consciência ingênua. [p. 85]
O fim das vanguardas, a descrença na lógica da história da arte moderna estão agora em evidência. [p. 112]
Com a explosão das vanguardas nas primeiras décadas do século, a obra de arte passou a ser tudo e qualquer coisa. Nenhum ideal teórico, nenhum princípio formal poderia mais defini-la ou qualificá-la a priori. [p. 74]
Pensar a morte da arte, praticá-la por assim dizer, era a rotina das vanguardas no início do século. [p. 76]
Na era da modernidade, isto foi feito ainda em grande parte no contato crítico imediato com o material artístico tradicional, vamos dizer, in loco – ali onde se articulava a tradição. [p. 84]
Curioso, sintomático mesmo, pouco se fala na passagem da modernidade para a contemporaneidade. Talvez inconscientemente a última passe, para a maioria, como mera decadência da primeira. As grandes obras já teriam sido feitas e restaria apenas a tarefa de esgotar as linhas de pesquisa modernistas. [p. 80]
A questão contemporânea resiste às inevitáveis investidas acadêmicas formalistas. As diversas empresas teóricas que desejam adequar os novos procedimentos ao télos da história da arte esbarram de saída com a “falta” de novidade, a impossibilidade de localizar, precisa e inequivocamente um lance, um sintagma, com grau positivo de transformação. Para uma certa contabilidade positivista, a contemporaneidade artística lembra um simples espaço de repetição. [p. 81]
Tudo parece já visto, nada tem a força direta do heterogêneo, o impensado subversivo. As coisas da arte não apontam uma direção clara de positividade ou negatividade – sua processualidade decide tudo nesse sentido. [p. 86]
Esse espaço critico precário, essa distância polêmica, as vanguardas criaram a golpes de lúcida loucura [p. 77]
Convém não esquecer que, para certa faixa de consumidor, o termo mítico vanguarda oferece um apelo inexcedível. [p. 59]
E é sobretudo em relação a essa ideologia que a meu ver se define um trabalho contemporâneo: uma proposta é tanto mais interessante quanto apresente maior grau de liberdade dentro do sistema estabelecido de arte. Forçar os limites de permissividade do circuito é uma das principais tarefas da produção contemporânea. [p. 60]
Um cálculo de razão, uma incessante cerebração passam constitutivamente pelas várias instancias da arte contemporânea na exata medida em que seu lugar é apenas e radicalmente reflexivo. [p. 85]
Nesse sentido sobretudo a nova arte está condenada à reflexão: traz consigo, no nível da imediata formalização, seu próprio absurdo, a dúvida sobre si mesma. [p. 86]
Não há dúvida porém de que esse tipo de ação exige entre outras coisas que o artista, digamos, deixe de ser artista: livre-se do mito de “ser criador” – posição que lhe assegura uma situação confortável, mas inútil – e pense em si mesmo como alguém que está amplamente comprometido com os sistemas e processos de significação em curso na sociedade. [p.60]
Se há algo que os 120 anos de arte moderna ensinam, é a relatividade das “rupturas”, a estrita seqüência lógica que as governa e dimensiona. Para o seu bem para o seu mal, a contemporaneidade carrega o peso dessa consciência. [p. 112]
A história não tem fim, bem como não teve início. A história é um processo em aberto, é uma interpretação ininterrupta, é remorso e projeto. [p. 147]”
[BRITO, Ronaldo. Experiência Crítica. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.]
Laura Bruno é pesquisadora de dança e admira muito a experiência critica de Ronaldo Brito.